Estava em um bar, bebericando o meu terceiro copo de cerveja,
cabeça às nuvens, enxurrada de pensamentos, mil obrigações para fazer. Muita
gente e eu. O meu desejo iminente era somente um: ficar só. Longe dos meus
problemas familiares, da mãe na TPM, do pai que só cobra, dos irmãos que só
incomodam e dos familiares distantes que só criticam. Sozinha, não sei bem se
para resolver ou concluir algo, ou somente estar. Mas, acho sempre mais seguro permanecer
largada em minhas próprias convicções.
Quando menos esperava, apareceu um senhor para conversar.
Justo comigo. Justo aquele dia. Justo aquele momento. Ele aparentava ter uns 60
anos de idade, e com uma sede de conversa. Chegou não sei como, enquanto eu
rezava para que fosse embora. Indiferente ao meu desespero, falava e sorria;
clamava por atenção, dizia ser importante. No início, mesmo sem vontade, mantive a atenção. Falava de
seus problemas, sua vida, a dos outros e alternava sempre entre um comentário e
outro. Esparramou em meio à mesa - que tinha um copo e uma cerveja - fotografias
de seus antepassados, sua vida, sorriso de era em era, e familiares que foram deixados
para trás, e sem eu saber o porquê, estava compartilhando comigo. Ele falava
bonito, confesso, parecia determinado a modificar algo em mim, mas o que é a
beleza senão um detalhe despercebido aos olhos de quem não quer ver?
Eu não via. Em certo momento, um pouco menos dispersa, e
confesso, bastante curiosa, olhei as imagens que ali estavam. Avistei uma carta
amarelada embaixo de uma das fotos, que tinha um jovem bonito brincando com uma
criança e de mãos dadas com uma mulher. Não tive a pretensão de ler a carta,
tampouco questionar quem eram os personagens daquela foto. Mas nem precisou.
Ele mesmo contou que ali estavam sua esposa e seu filho, que o deixaram nessa
vida. Pra bem longe. Pro alto do céu.
Estava diante de mim um exemplo claro da carência
característica da velhice, partes tão íntimas do que ele era e do que se
tornou. Avistei, bem de longe, o vulto de uma menina, pensei que fosse a sua
filha. Parecendo que o senhor leu meu pensamento, falou: “É minha funcionária,
moça”. Encarregada de me resgatar da minha solidão. E riu. Um riso meio triste,
meio resignado. Um riso de saudade. Um riso daqueles que denunciava que a
solidão, que eu almejava, era a que ele possuía. A única diferença é que ele
era por destino da vida; eu, por escolha.
Depois de uma conversa demorada, meio relutante, ele se
despediu, e disse: “Não os deixe ir sem que eles saibam o quão grande é o teu
amor. Esqueça as ofensas que te causaram, pessoas que falem só palavras bonitas
não têm. Não cala a voz do teu coração, grita! Não guarde remorso, ame! Não
fica parada sozinha, age! Lembre-se:
nessa vida, só estamos de passagem. O dia de partir é incerto. Que você não
precise perder alguém para valorizar.” E foi embora. Deixou-me assimilando o peso daquelas palavras.
Paguei a conta, peguei minha bolsa e fiquei ansiosa por chegar em casa e me
deparar com a TPM da minha mãe, considerar relevantes as cobranças do meu pai e
me divertir com as incomodações dos meus irmãos. Pela primeira vez, desejei,
mais que nunca: perdoar, agir e amar.