sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Para além da conversa de bar

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Estava em um bar, bebericando o meu terceiro copo de cerveja, cabeça às nuvens, enxurrada de pensamentos, mil obrigações para fazer. Muita gente e eu. O meu desejo iminente era somente um: ficar só. Longe dos meus problemas familiares, da mãe na TPM, do pai que só cobra, dos irmãos que só incomodam e dos familiares distantes que só criticam. Sozinha, não sei bem se para resolver ou concluir algo, ou somente estar.  Mas, acho sempre mais seguro permanecer largada em minhas próprias convicções.

Quando menos esperava, apareceu um senhor para conversar. Justo comigo. Justo aquele dia. Justo aquele momento. Ele aparentava ter uns 60 anos de idade, e com uma sede de conversa. Chegou não sei como, enquanto eu rezava para que fosse embora. Indiferente ao meu desespero, falava e sorria; clamava por atenção, dizia ser importante. No início, mesmo sem vontade, mantive a atenção. Falava de seus problemas, sua vida, a dos outros e alternava sempre entre um comentário e outro. Esparramou em meio à mesa - que tinha um copo e uma cerveja - fotografias de seus antepassados, sua vida, sorriso de era em era, e familiares que foram deixados para trás, e sem eu saber o porquê, estava compartilhando comigo. Ele falava bonito, confesso, parecia determinado a modificar algo em mim, mas o que é a beleza senão um detalhe despercebido aos olhos de quem não quer ver?

Eu não via. Em certo momento, um pouco menos dispersa, e confesso, bastante curiosa, olhei as imagens que ali estavam. Avistei uma carta amarelada embaixo de uma das fotos, que tinha um jovem bonito brincando com uma criança e de mãos dadas com uma mulher. Não tive a pretensão de ler a carta, tampouco questionar quem eram os personagens daquela foto. Mas nem precisou. Ele mesmo contou que ali estavam sua esposa e seu filho, que o deixaram nessa vida. Pra bem longe. Pro alto do céu.
Estava diante de mim um exemplo claro da carência característica da velhice, partes tão íntimas do que ele era e do que se tornou. Avistei, bem de longe, o vulto de uma menina, pensei que fosse a sua filha. Parecendo que o senhor leu meu pensamento, falou: “É minha funcionária, moça”. Encarregada de me resgatar da minha solidão. E riu. Um riso meio triste, meio resignado. Um riso de saudade. Um riso daqueles que denunciava que a solidão, que eu almejava, era a que ele possuía. A única diferença é que ele era por destino da vida; eu, por escolha.

Depois de uma conversa demorada, meio relutante, ele se despediu, e disse: “Não os deixe ir sem que eles saibam o quão grande é o teu amor. Esqueça as ofensas que te causaram, pessoas que falem só palavras bonitas não têm. Não cala a voz do teu coração, grita! Não guarde remorso, ame! Não fica parada sozinha, age!  Lembre-se: nessa vida, só estamos de passagem. O dia de partir é incerto. Que você não precise perder alguém para valorizar.” E foi embora. Deixou-me assimilando o peso daquelas palavras. Paguei a conta, peguei minha bolsa e fiquei ansiosa por chegar em casa e me deparar com a TPM da minha mãe, considerar relevantes as cobranças do meu pai e me divertir com as incomodações dos meus irmãos. Pela primeira vez, desejei, mais que nunca: perdoar, agir e amar.

domingo, 23 de setembro de 2012

Menina de cidade grande

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Eu, nascida em uma cidadezinha interiorana de Goiás, conhecida como Anápolis - na época pouco desenvolvida , segundo relatos dos meus pais- e minúscula para receber quem vinha ao mundo. Desde a barriga da minha mãe fui urbanizada sem volta. Sendo assim, escapei de lá para viver em um grande centro urbano. Cidade com praia. Litoral. Mais conhecida como Fortaleza. E foi lá que criei minhas raízes; em meio ao caos, pude me libertar. Em meio a toda a multidão foi onde me encontrei. Trânsito, buzinas, pessoas com pressa, barulho, grito para mostrar que ali sim existe vida. Difícil só falar e não sentir na pele, pois, é na prática e na vivência, que em pequenos detalhes dá para notar o quanto tantas essas possibilidades apenas dão vida aos dias, e não contrário.

Vão atrás. Se aqui não está dando certo, tenta-se ali. Ficar parado, qual sentido? Não existe, não compreendem. O descanso, as horas de tédio, o ócio, são repugnantes a quem está sempre ligada na tomada, na potência máxima que existe. Geralmente, quando com horas vagas, acha-se o que fazer. Desde curso de idioma, caminhada no parque, teatro, cinema, shopping, mil e uma opções de alimentação, lojas sem fim, gente de tudo que é canto. Menina que cresce em meio à tamanha diversidade, acaba achando barbada ser do mundo. Taí uma das grandes diferenças entre as que são de grande centros urbanos às interioranas.

Aprendem com facilidade a ser independente de quem quer que seja. Atravessar a cidade de uma ponta a outra, sem ter a mínima noção do caminho que segue, do que a espera, até porque, isso não importa. O objetivo é único e é nele que se foca: o rumo que a espera. Não ser conhecida entre os vizinhos assim que o pé pisar na calçada. Aprendem com facilidade o desapego quando nada mais funciona. O tino rápido. A percepção instantânea. A ligeireza que está sempre presente. As amizades poucas, mas que valham a pena.

Bom convívio frente a quem for, mesmo que com o resguardo necessário, paz e harmonia somente para o final de semana: tá quase nos genes daquelas que vêm ao mundo nas maternidades lotadas dos bairros populosos. Atualmente, tenho a plena certeza de que estou deslocada disso tudo. Cidade calma, sem opções de lazer, sem o agito que me corre às veias, sem a pressa do dia-a-dia, sem nada. Apenas alguns cavalos na esquina de casa no finzinho de domingo à tarde. Com o tempo, menina de cidade grande vira quem quiser - mesmo demorando um pouquinho. O contrário não, vai por mim.




sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Amarello amor, por Carolina Ferraz

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Esses dias sem fazer nada na internet, encontrei um vídeo em que a lindíssima Carolina Ferraz fazia a locução de um texto criado por ela mesma. Nem imaginava que ela escrevia, ainda mais assim, tão lindamente. Pra quem me tem no facebook sabe que eu já havia compartilhado lá. Mas achei que esse vídeo merecia um espaço aqui no blog. Ela é linda, o texto é espetacular e ainda fala de amor. Enfim, uma preciosidade. Realmente.
A produção é da AMARELLO, uma publicação independente que fala de moda, música, cinema, política, artes gráficas e artes plásticas. Segue a linha desse vídeo em Portugal.  Compartilho aqui, com vocês, esse achado. Valem os três minutinhos inteiros. Apreciem, darlings!
"O que existe além do que ja foi dito sobre o amor? Toda minha vida pautada em amores que tive ou gostaria de ter. Falando sobre os que tive, também não tenho muito que dizer.
Amei e fui muito bem amada. Mas foi um amor, um único amor, que veio cruzou minha vida, tocou minha alma e ficou marcado em minha pele. 
Todos nos carregamos com nós uma história. Aquela que só nos atrevemos a lembrar, quando durante a noite no escuro, enconstamos nossas cabeças no travesseiro e o silêncio cala fundo. Não importam os anos, certas coisas simplesmente permanecem. Mas então, numa quinta-feira a tarde de um ano qualquer, tropeçamos nesse amor já supostamente esquecido. Percebemos que amor igual não há e que aquela pessoa continua e continuará a ser nossa referência afetiva mais sincera e profunda.Não é doença nem obsessão. Aliás não e nada, só amor. Amor dos bons, daqueles que são únicos e maravilhosos, que acontecem poucas vezes na vida das pessoas. Daqueles amores que ficam e que teremos que conviver com ele como algo concreto e parte de nossas vidas. Que alma consegue atravessar a vida sem ter conhecido o amor e quem sabe, ter a sorte de ser correspondido? Que vida vale a pena sem amor? Nenhum sentimento é mais lindo profundo e transformador que o amor. Só amor transcende e purifica, enlouquece e cura, invade, permanece, liberta e aprisiona. Quando acontece é um som grave que penetra invade e permanece. Não compliquem e nem elaborem o sentimento mais incrível e poderoso de todos. Permitam que eles cheguem e se instale. Porque o resto são bobagens meninos, bobagens." 


(Não, o texto NÃO é meu. Espero que não saiam compartilhando por aí como se fosse de minha autoria. E é, talvez o vídeo não seja novidade pra muita gente, mas espero ter encantado alguns que infelizmente não conheciam.)

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Apesar de

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Sempre achei que esse amor era coisa de quem não tinha nada melhor para fazer. Eu só o sentia porque estava infeliz naquela vida pacata. Só por isso. Resolvi então agitar a vida pacata. E comecei a sair mais de casa, enxergar as pessoas ao meu redor, mais viagens, mais baladas. Amor é coisa de gente pacata e agora que eu tinha uma vida agitada, poderia, finalmente, mandar esse amor embora. Tchau, coisinha besta.

Nada feito. Só piorou. Acordava e ia dormir com ele engasgado aqui. Ficava inconformada. Mas aí concluí: amor é coisa de quem tem tempo pra pensar nele. Claro, mesmo com a semana agitada de trabalho, eu fico em casa o fim de semana todo, alegando cansaço, no silêncio das minhas coisas, claro que acabo pensando besteira. Aquele papo de mente desocupada casa do diabo, sabe? Amor do diabo. Fui procurar Deus.

Depois de dez vigílias e de ler todo o Evangelho, achei que ficaria tudo bem. Ficou nada. Eu só parei de sonhar que botava fogo no apartamento do ser amado ou que arrancava os olhos de todas as mulheres do mundo. Parei, talvez, de odiar o amor. Sim, fiz as pazes com Deus. Mas o amor, na verdade, ficou lá. Duro que nem pedra. Daqueles que não vão embora nem com reza brava.

Amor adolescente, pensei. Com certeza, se eu virar mulher, esse amor bobinho passa. Amor de menina boba. Tratei, então, de virar mulher. Quem sabe mudando o visual esse amor não se mudava de mim? Nada feito. Cabelo novo, roupas novas, sapatos novos, novas contas para pagar. E o mesmo coração idiota. O mesmo amor de sempre. Coisa chata, não?

Ah, quê que é isso! Amor deve passar com um novo amor, não? Olha lá aquele menino bonito te olhando, o outro que escreve bonito, o outro que te faz rir um monte, tem também aquele ali, com mão firme. Nada. Nenhum deles foi capaz de me salvar, de substituir minhas células cansadas em sentir sempre a mesma coisa. Nenhum foi capaz, nem por um segundo, de me levar para passear em outros tormentos. Ou outras alegrias. Qualquer outra coisa que fosse.

Aí veio a idéia brilhante. Será que se eu mergulhasse de cabeça na estupidez desse amor, não me curava? Será que se eu, por um minuto apenas, parasse de sentir tudo isso dentro da grandiosidade que eu inventei e enxergasse de perto como tudo é tosco e pequeno, eu não me curava? Só piorou. De frente para ele e suas constatações tão absurdas a respeito de tudo, só consigo sentir ainda mais amor. E quanto mais e maiores motivos para não sentir, ele e a vida me dão... Adivinhem? Sim, o amor cresce. Irresponsável, sem alimento, sem esperança e de uma burrice enorme. Ainda assim, forte e em crescimento.

Mas esse amor, ah, esse amor é coisa de quem não ama a própria vida. Se um dia, um dia eu pudesse realmente ser uma profissional. Ou até, nossa, se eu pudesse trabalhar no que gosto?! Esse amor iria embora, claro. Nada feito. Estou aqui graças a minha maior qualidade: a fé. Sim, isso só não funciona para o amor, mas para todo o resto, na minha vida, acreditar sempre funcionou. Tudo certo com a minha vida. Ou quase tudo certo. Ainda sinto esse amor ridículo. Essa coisa infernal que me vence todos os dias, todos os minutos. Quantos bons contatos me admiram e me elogiam. Ainda bem que alguém além de mim acredita em mim. É tanta coisa boa acontecendo, tanta gente boa se aproximando, que tá na hora de acordar. Enxergar. Receber.

Taí. Tá bom. O amor venceu. Você venceu. Venceu. Venceu. Venceu. E eu acabo de descobrir, simples assim, a única maneira de me livrar desse sentimento: aceitando, desistindo de tentar driblá-lo nesse jogo, sem a intenção de ganhar ou perder. Te amo mesmo, talvez para sempre. Mas nem por isso vou deixar de viver e ser feliz, imensamente feliz. Apesar desse amor. Apesar da certeza. Apesar de você.


(Releitura -- T.B) 

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O dia em que o ponteiro do relógio travou

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Um final de dia aparentemente tranquilo. Uma noite serena, calma e confortante - como tantas outras: no aconchego do seu abraço. Não fosse por um desequilíbrio emocional e uma rachadura, provocada por mim (confesso) nos ponteiros do relógio. Por pouco não terminamos o dia em paz, com palavras doces e suaves. Um assunto delicado, uma insensatez de pensamentos um tanto quanto instigatórios, que me levam sempre ao caos no meu íntimo mais escondido. Não estou acostumada a ter motivos, você me acostumou assim. Quando vem um, desço escorregando na velocidade máxima do alto do tobogã. Do alto, ao precipício. Dos sorrisos intermináveis, a choros que nem eu mesma consigo contabilizar.

O meu silêncio que perdura não só uma noite inteira, mas um dia. Vinte e quatro horas de puro silêncio denunciam a minha fragilidade emocional. Eu sempre tão sensata, tão dona de mim. Quem apostou, ganhou. Não é impossível, não. A minha quietude disfarça o meu coração, minúsculuzinho, de tão apertado que se apresenta. Não sou do tipo que briga, grita, xinga - aliás, você me conhece, abomino qualquer atitude parecidas a essas. É assim o meu eu, o meu mundo e o meu jeito de ser. Esse dia afetou a minha felicidade em um grau indescritível. Arrancou meus sorrisos, minhas meiguices e meu jeito todo seu de ser. Que dia interminável esse. Eterno. Seria mais fácil se eu soubesse esperar em paz, com graça santificada. Já dizia Virgia Woolf: "é diabólico o amor". Sim. Mata a gente. Nos fere ou em uma felicidade insuportável, ou numa tristeza profunda. Quem ama não bebe leite morno, não. Confesso preferir a felicidade insuportável que o nosso relacionamento nos proporciona, incrivelmente, todos os dias. Mas como nada é um mar de rosas, às vezes temos que passar por certas coisas, certos momentos de indecisão, perturbação e tempestade para quando voltarmos, ser ainda mais lindo.

Um dia inteiro se passou, eu no meu mundinho, economizando palavras e evitando que meus olhos se encontrassem aos seus. De banho tomado e - se você permitisse, mais uma noite em silêncio. Como sempre me surpreende, veio até mim. Pediu reconciliação, falou palavras bonitas. Um olhar de insegurança, pelo medo da minha reação, acredito eu. Percebi algo diferente: Ali também haviam lágrimas caindo. Ali foi o ápice. Não me contive mais. Se eu pedi desculpas: sim, foi difícil tirar de mim o peso do orgulho que não me deixa fazer isso quase sempre. Reconheça. É um pouco de paz isso de, mesmo em silêncio, escrevendo esse texto, ter na frente do computador quase um dia de abraços contidos. Coraçãozinho tá bem, disse.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

I still haven’t found what I’m looking for...

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Eu escrevo de olhos fechados.
 Eu tinha dúvidas. Eu já encarei olhares, já soube –em meio ao olhar- o que queriam me dizer.
Mas, era mais cômodo, fingir não vê.
Mas canta, Bono.
I still haven’t found what I’m looking for...
Eu procurava. Não achava.
Encenava sorrisos.
Eu dizia: tenho saudades.
Silêncio.
Nenhuma resposta.
Nem queria ouvir de volta. Uh-hum...
I still haven’t found what I’m looking for...
E continuava procurando.
Dois ou três olhares, uns silêncios. Desculpe o plágio descarado, Caio.
Então, me perdia em risadas, beijos, carinhos.
Mas era a entrega que eu estava procurando.
E continuei procurando...
I still haven’t found what I’m looking for...
Bem que me avisaram: “- Cuidado com os seus desejos, eles podem se tornar realidade.”
Foi então, que o amor bateu à porta, sem pedir licença, entrando bem de mansinho, em um aconchego jamais visto. Contrariou a todos os pré-conceitos adquiridos e sistematizados.
Então, aprendi a dançar...
Ao decorrer desse prévio resumo do meu tempo, concomitantemente ao do poema...
Peço desculpas, Bono, por retificar algo de sua própria autoria...
Mas, a partir de agora, fica assim descrito:
I found what I was always looking. 

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Loucura?! Só após às 22h

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Ciúmes, possessão, cobranças e brigas. Não. Isto não é uma chamada do falecido Linha Direta.
Ou ainda um relato sensacionalista, frívolo e sem fundamento sobre uma situação atípica
corrente na vida de alguém. É uma realidade. E pior: realidade de uma grande porcentagem
dos relacionamentos, ao menos, dos relacionamentos que conheço. Se no começo tudo são
flores, com o tempo é inevitável que nossas imperfeições saltem aos olhos de nosso amado,
ou daqueles que cremos veemente que amamos.

Este é um ponto importante que devemos pontuar. Até quando é amor? Não acredito,
sinceramente, que o amor canse, aborreça, cause dores, tanto psicológicas, quanto, em casos
extremos, físicas. A partir daí, é qualquer coisa, menos amor. O problema começa quando
confundimos os papeis. A história de que “nós dois somos um”, definitivamente, atrapalha
um pouco nossas vidas. Ela abre margem pra múltiplas interpretações, como a de que ele
ou ela é propriedade nossa, e ponto. A individualidade, a liberdade e o livre arbítrio são tão
fundamentais dentro do relacionamento quanto o próprio amor. Ser um o “oxigênio” do outro
é demais. É demais para que não ultrapassemos a tênue linha entre o ciúme “saudável” e a
paranoia, a loucura. É demais para que consigamos respeitar o fato de que nosso amor pode
sim, discordar de nossa opinião, não nos querer mais. É demais para compreendermos que
um relacionamento faz-se todos os dias. Não se trata de contrato, hermético, frio, preto no
branco, assinado em cartório com garantias e multas graves, em caso de descumprimento.

É da nossa natureza, queremos sempre mais e mais. Mais do amor. Queremos o amor
esbanjador, o amor que exala, que atinge o ponto da overdose. E se o amado não está
em mesma sintonia? Ah, aí complica. E não complica pouco. Oitenta e oito chamadas não
atendidas no celular, trinta e dois SMSs. Batidas ensandecidas à porta, gritos na varanda
do apartamento. As lágrimas que escorrem não são mais pela alegria de uma apaixonada
cartinha recebida, ou pela surpresa da visita despretensiosa na tarde fria. Agora são de ódio.
A disposição, que outrora se dedicava exclusivamente a fazê-lo feliz, continua em mesma
proporção, só que com sentido contrário. O “oxigênio” dele acabou. A necessidade dela não.
Mas como pode? Assim, de uma hora para outra?! E nosso contrato? E minhas garantias?

Assim como a garrafa de refrigerante, deixada aberta sobre a mesa após a última discussão,
o relacionamento perdeu o gás. As discussões frequentes são um indício claro disto.
Diferentemente dos motivos pelos quais elas iniciam-se. E essa última? Mal consigo lembrar.
Muito possivelmente aconteceu após o anúncio de que nesse final de semana ele irá à
praia jogar futebol, que ela irá ao shopping com as amigas, que ele não poderá ir ao chá de
bebê da amiga da vizinha porque quer passar um tempo com a mãe e com o irmão. Coisas
simplesmente “inaceitáveis”. Afinal, estava previsto em nosso contrato exclusividade, e eterna.
Só não me lembro, ao certo, se a loucura também estava contemplada entre as cláusulas.
Devia estar em letras menores, em notas de rodapé, e com pressa de ser feliz, não me ative
a este detalhe. Ser feliz? Desta forma? Impossível. As cobranças, perseguições e histerias
formaram um fardo pesado demais para qualquer um carregar. Não é mais amor. Talvez nunca
tenha sido. É doença. É loucura. É hora do basta.

Se “de médico e louco todo mundo tem um pouco”, aconselho, sinceramente, a utilizar
sua parte doutor para assistir sua parte insana, que já parte rumo ao estado terminal.
Acredito que só eles, os médicos psiquiatras, devem atrair-se pelos loucos, e apenas por
uma questão de “ossos do ofício”. Por mais que o amor vá além, é insustentável, não há a
menor possibilidade de sucesso. Peça a sua parcela de clínico que extinga o paciente em
ponto nevrálgico de delírio, que chega ao ponto de pensar que como “nós dois somos um”,
logo, tenho total controle sobre suas ações, gostos e escolhas. Repense seus conceitos.

Quem sabe a felicidade não passe pelo ponto de que um deva ser o oxigênio do outro. Opte
por ser a motivação, o combustível. Peça à parcela de médico para que, dentre todas as
alucinações, mantenha somente a pitada de disposição, que utilizava de maneira indevida.
Mantenha a ousadia, a audácia e a criatividade plena. A mesma que usava para pensar formas
mirabolantes de perseguição e de causar importunos. Agora a aplique a vocês. Use-a para que
melhorem, para que o contrato não seja cumprido, para que a vida não fique insossa. Use-
a para que repitam a lágrima de alegria daquela tarde e o frio na barriga da surpresa. Para
trazerem de novo à tona diversos delírios, delírios de prazer como os daquela noite. Use-a
para sair do quadrado, para enlouquecerem-se entre quatros paredes como sabem muito bem
fazer. Use a loucura, somente, após às 22h.