Ciúmes, possessão, cobranças e brigas. Não. Isto não é uma chamada do falecido Linha Direta.
Ou ainda um relato sensacionalista, frívolo e sem fundamento sobre uma situação atípica
corrente na vida de alguém. É uma realidade. E pior: realidade de uma grande porcentagem
dos relacionamentos, ao menos, dos relacionamentos que conheço. Se no começo tudo são
flores, com o tempo é inevitável que nossas imperfeições saltem aos olhos de nosso amado,
ou daqueles que cremos veemente que amamos.
Este é um ponto importante que devemos pontuar. Até quando é amor? Não acredito,
sinceramente, que o amor canse, aborreça, cause dores, tanto psicológicas, quanto, em casos
extremos, físicas. A partir daí, é qualquer coisa, menos amor. O problema começa quando
confundimos os papeis. A história de que “nós dois somos um”, definitivamente, atrapalha
um pouco nossas vidas. Ela abre margem pra múltiplas interpretações, como a de que ele
ou ela é propriedade nossa, e ponto. A individualidade, a liberdade e o livre arbítrio são tão
fundamentais dentro do relacionamento quanto o próprio amor. Ser um o “oxigênio” do outro
é demais. É demais para que não ultrapassemos a tênue linha entre o ciúme “saudável” e a
paranoia, a loucura. É demais para que consigamos respeitar o fato de que nosso amor pode
sim, discordar de nossa opinião, não nos querer mais. É demais para compreendermos que
um relacionamento faz-se todos os dias. Não se trata de contrato, hermético, frio, preto no
branco, assinado em cartório com garantias e multas graves, em caso de descumprimento.
É da nossa natureza, queremos sempre mais e mais. Mais do amor. Queremos o amor
esbanjador, o amor que exala, que atinge o ponto da overdose. E se o amado não está
em mesma sintonia? Ah, aí complica. E não complica pouco. Oitenta e oito chamadas não
atendidas no celular, trinta e dois SMSs. Batidas ensandecidas à porta, gritos na varanda
do apartamento. As lágrimas que escorrem não são mais pela alegria de uma apaixonada
cartinha recebida, ou pela surpresa da visita despretensiosa na tarde fria. Agora são de ódio.
A disposição, que outrora se dedicava exclusivamente a fazê-lo feliz, continua em mesma
proporção, só que com sentido contrário. O “oxigênio” dele acabou. A necessidade dela não.
Mas como pode? Assim, de uma hora para outra?! E nosso contrato? E minhas garantias?
Assim como a garrafa de refrigerante, deixada aberta sobre a mesa após a última discussão,
o relacionamento perdeu o gás. As discussões frequentes são um indício claro disto.
Diferentemente dos motivos pelos quais elas iniciam-se. E essa última? Mal consigo lembrar.
Muito possivelmente aconteceu após o anúncio de que nesse final de semana ele irá à
praia jogar futebol, que ela irá ao shopping com as amigas, que ele não poderá ir ao chá de
bebê da amiga da vizinha porque quer passar um tempo com a mãe e com o irmão. Coisas
simplesmente “inaceitáveis”. Afinal, estava previsto em nosso contrato exclusividade, e eterna.
Só não me lembro, ao certo, se a loucura também estava contemplada entre as cláusulas.
Devia estar em letras menores, em notas de rodapé, e com pressa de ser feliz, não me ative
a este detalhe. Ser feliz? Desta forma? Impossível. As cobranças, perseguições e histerias
formaram um fardo pesado demais para qualquer um carregar. Não é mais amor. Talvez nunca
tenha sido. É doença. É loucura. É hora do basta.
Se “de médico e louco todo mundo tem um pouco”, aconselho, sinceramente, a utilizar
sua parte doutor para assistir sua parte insana, que já parte rumo ao estado terminal.
Acredito que só eles, os médicos psiquiatras, devem atrair-se pelos loucos, e apenas por
uma questão de “ossos do ofício”. Por mais que o amor vá além, é insustentável, não há a
menor possibilidade de sucesso. Peça a sua parcela de clínico que extinga o paciente em
ponto nevrálgico de delírio, que chega ao ponto de pensar que como “nós dois somos um”,
logo, tenho total controle sobre suas ações, gostos e escolhas. Repense seus conceitos.
Quem sabe a felicidade não passe pelo ponto de que um deva ser o oxigênio do outro. Opte
por ser a motivação, o combustível. Peça à parcela de médico para que, dentre todas as
alucinações, mantenha somente a pitada de disposição, que utilizava de maneira indevida.
Mantenha a ousadia, a audácia e a criatividade plena. A mesma que usava para pensar formas
mirabolantes de perseguição e de causar importunos. Agora a aplique a vocês. Use-a para que
melhorem, para que o contrato não seja cumprido, para que a vida não fique insossa. Use-
a para que repitam a lágrima de alegria daquela tarde e o frio na barriga da surpresa. Para
trazerem de novo à tona diversos delírios, delírios de prazer como os daquela noite. Use-a
para sair do quadrado, para enlouquecerem-se entre quatros paredes como sabem muito bem
fazer. Use a loucura, somente, após às 22h.
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