O caos que permeia o nosso saber, às vezes – quase sempre, sofre turbulência. Influencia diretamente no modo como lembramos, recordamos e insistimos. Insistimos em retroceder, voltar ao passado para fazer diferente. Ser diferente. Agir diferente. Para quem sabe, talvez, conseguir com que o futuro seja escrito em uma linha mais reta, com um desconforto da dor menor. A nossa sensatez (ou insensatez) de recordações nos levam fatalmente a dor e facilmente encobrimos o verdadeiro motivo do que foi deixado para trás. “As pessoas procuram tratamento psicanalítico porque o modo como estão lembrando não as libera para esquecer”. Frase do psicanalista Adam Phillips, publicada no livro “O flerte”.
O que nos impede de seguir em frente, dar um ponto final e se livrar enfim do que não nos é mais permitido e nem alcançável é o fato de fadarmos uma lembrança mal lembrada. Deixar para trás de vez um caso que não houve despedida, um amor passageiro em que o protagonista do término foi você, o sexo que (in)felizmente não rolou não é tão fácil assim. Sentimos saudades, um gostinho de querer mais interminável. Quando somos os culpados de algo então, difícil viver com aquela culpa iminente. Ao retomar a frase de Adam Phillips talvez percebamos que não é tão difícil assim.
Deixemos a saudade de lado e vamos relembrar o principal percussor dos acontecimentos que empacam a nossa vida: O caso que você não pode sequer se despedir deve-se ao fato das diversas traições às quais você foi submetida. Aquele amor passageiro, que durou apenas duas semanas, era feito apenas de uma pessoa: você. E apesar da curta duração houve o esgotamento. Cansada de ser só uma em um relacionamento que deveria ser composta por dois, saiu para a balada. Dançou. Bebeu. E pronto, ficou com outro. Quanto ao sexo com aquele carinha gostoso, deve-se ao fato dele ser um completo babaca e bebeu tanto que dormiu e te deixou a ver navios. Felizmente. Os principais agentes causadores dessa saudade que empaca, colocados assim, em cima da mesa, facilita muito mais. Simplificar, colocar eixo e direcionar as nossas lembranças ao que foi de fato, tira-nos daquela zona de anestesia a qual por anos seguíamos.
Fácil seria se todos nós conseguíssemos ver a realidade, ou melhor, as recordações nuas e cruas do jeito que são. Sei que ao ler Adam Phillips escrevendo é fácil. Tudo muito simplista. Mas, a realidade é que colocamos, em nossas lembranças, saudade, fervor, exagero e uma máscara envolta por alguns atores épicos. Ou também, exaltação, beleza e utopia. Dimensão enorme ao que realmente aconteceu. Derrota, que na verdade, nem fomos tão derrotados assim. Sorte de quem veem as recordações como mero aprendizado e do jeito certo do que de fato ocorreu.
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